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27 de fev. de 2012

Casinha na árvore

Desde molequinho, eu sempre quis ter uma casa na árvore. Eventualmente, as casas na árvore apareciam em filmes e também em novelas e eu ficava ali, amarradão, com a máxima atenção aos detalhes. Bastava aparecer uma casa na árvore que eu me desligava de tudo, inclusive da história que estava assistindo e passava a observar detalhadamente a estrutura da casa, como ela foi presa na árvore e etc.


Com o tempo, eu cresci, mas meu interesse por casas nas árvores ainda persistiu. Se não me falha a memória, eu já até postei sobre casas nas árvores aqui mesmo no Mundo Gump. Da mesma forma, também já postei aqui sobre uma coisa que eu já fui completamente fanático e eu diria até obcecado: Bonsai.
Me lembro claramente de um dia que eu fui ao cinema, era a segunda vez que eu ia no cinema sozinho, e o filme era Karatê Kid. Enquanto 99,9% dos moleques da minha idade saíram do cinema querendo dar chutes no ar com as mãos desmunhecadas abertas como asas, eu saí com a ideia fixa de que iria ter um bonsai como o do Senhor Miaghi.
miaghi Casinha na árvore
Mas naquele tempo, não havia nada. Tudo era precário no Brasil. A internet ainda era uma ficção científica impensável, e livros e revistas sobre a arte do cultivo do Bonsai simplesmente não estavam ao alcance, como estão hoje. Eu perdi as contas do tanto de pinheirinhos e plantinhas que eu matei tentando inocentemente criar um bonsai pra mim. Bastava eu ver um arbusto maiorzinho com folhas pequenas e tronquinho mais grosso pra eu ir lá, e tentar colocar ele num vasinho raso e fazer o meu bonsai. Obviamente, era frustração atras de frustração.
Teve um dia que eu estava voltando do colégio e ao passar em frente a uma casa, vi no jardim da casa um bonsai perfeito. Ele ainda não era um bonsai, era apenas um de muitos pequenos arbustos, que a dona da casa usou para decorar o jardim com estética romântica. Era uma cerca-viva em miniatura. Ao longo dos anos, as sucessivas podas em máquina acabaram por hipertrofiar o tronco da planta, e tão logo eu bati o olho, foi amor a primeira vista. Os dois outros arbustos que o ladeavam haviam morrido e desfolhado, e então, lá estava ele. Verdinho, lindo, no meio de duas outras plantas mortas, nos fundos daquele jardim.
Não consegui me conter e toquei a campaínha. Ninguém veio atender.
Minha esperança era de que uma bondosa vovó viesse e compadecida pelo meu apreço à sua plantinha, me doasse a mesma.Mas ninguém veio. E sem poder pedir, a fome comendo solta, fui embora.
Ao longo de vários dias, eu passei a mudar meu caminho para a escola apenas para passar por aquele portão, e olhar para a árvore. Dia após dia, ela parecia mais e mais bonita.
Notei que a grama estava crescendo e a casa enchia-se de mato mês a mês. O mato começou a encobrir as plantas mais rasteiras do jardim.
Um dia, na volta da escola, trepei no muro e fiquei olhando para a planta. Já não era tão fácil vê-la. O mato estava na frente. Quando finalmente consegui altura, me esticando todo sobre o muro com os pés na grade, vi que o meu bonsai estava começando a amarelar. Fui tomado de um impulso incontido quando senti que o destino daquela linda planta estava selado. As duas plantas ao seu lado estavam mortas. Só restava ele. E agora amarelava. O mato lhe tirava a pouca luz da manhã. A casa parecia ter sido abandonada.


Voltei para casa naquele dia teorizando sobre qual seria o destino do dono daquela casa? Talvez fosse uma velhinha que morreu. Seu jardim, cuidado com esmero durante décadas, agora abandonado, a seguiria inexoravelmente para a eternidade.
Naquela noite, não dormi direito com a ideia fixa de entrar na casa, roubar a árvore e replantá-la na casa da minha avó. Afinal, mais que um roubo, uma invasão de domicílio, era um ato de amor a uma planta. Não era um roubo. Era um resgate.
De manhã cedo, tomei meu café com leite e saí pra escola. O vento frio soprava no meu rosto e eu não tirava o pensamento da árvore. A mochila, naquele dia mais pesada que o de costume, ia repleta de apetrechos, como a colher de pedreiro do meu avô, uns ferros e uma estaca, além de um pequeno vaso de cerâmica e arame.
Passei o dia todo esperando a maldição do tempo correr. A aula parecia nunca ter fim. O dia se arrastou miseravelmente, e quando finalmente o sinal tocou eu corri mais rápido que o Flash para a rua.
Cheguei na frente da casa. Encostei no muro e esperei um bom momento. Como havia um cadeado enferrujado no portão, era preciso saltar o muro. A rua dela tinha muito movimento, porque havia um banco nas proximidades. O maior problema, era o jornaleiro, que ficava em frente, e estava sempre na banca, sentado, num banquinho do lado de fora.
Foi um saco esperar o momento certo. O Jornaleiro de tempos em tempos, saia do banquinho dele e entrava na banca. Finalmente, depois de muita espera, ele entrou.
Quando finalmente a rua esvaziou, só havia um sujeito de bicicleta há uns 50 metros da casa. Ele passou por mim, e tão logo deu-me as costas, eu joguei a mochila para o outro lado e realizei a proeza. Num só pulo, com a agilidade  digna do Batman, saltei da rua para o jardim.
Uma sensação estranha me atingiu tão logo pus os pés naquele jardim. Uma sensação de estar fazendo algo errado.
Mas não havia tempo a perder. Corri pelo mato alto até a casa. Ali estava a planta.  Envolta num monte de mato. Muitas folhas já estavam amarelas. Aquele viço que dava pra notar de longe agora era uma tênue lembrança. Mas havia muitas folhas ainda verdes, e aquilo era um sopro de esperança para a pobre árvore.


Tirei da mochila a colher de pau. Arranquei com a mão chumaços de mato, abrindo um espaço para a planta respirar.
Comecei a escavar a terra.
Eu estava cavando o mais rápido que eu podia, mas era um esforço tremendo e eu estava com medo. Do canto que eu estava, era possível que alguém ao passar na rua me ver e chamar a polícia.
Cavei, cavei, e nada de chegar na raiz da maldita. Era uma raiz funda pra caramba. Comecei a quebrar os arbustos mortos ao redor, na tentativa de abrir espaço e poder escavar mais.
Então, meu futuro bonsai revelou uma copiosa quantidade de raízes, espalhadas para todos os lados. Agarrei firme com as duas mãos no tronco e puxei. Nada a planta parecia chumbada, soldada colada com durepoxi. Fiz mais força ainda. Tanta que achei que estava correndo o risco de soltar um barro na cueca.
E só então, fez um estalo e a planta soltou. Na pressão, eu caí para trás, bati de cabeça na porta de vidro e fez um barulhão do caramba.
Me levantei puto. Peguei a planta e la estava ela, um pedaço da raiz havia se partido, mas ainda tinha muitas outras raízes periféricas.  Abri a mochila para pegar o meu vaso.
E foi nessa hora que ouvi um som de um grito aterrador. Um grito daqueles de maníaco, de filme de terror. Só tive tempo de olhar para trás e ver uma velha de cabelo branco, todo para cima, o olhar esbugalhado, fixo em mim. Ela vinha correndo, mas parecia estar em Câmera lenta. A dona era branca feito uma assombração, e estava numa camisola toda suja. Ela veio com um puta dum pedação de pau, gritando para cima de mim. Senti um arrepio subir pela minha coluna. Disparei a correr pelo matagal em direção ao muro.
Naquele dia, temendo pela minha vida, fiz um salto de parkour espetacular sobre o muro, com a mochila nas costas e a árvore na mão.
A velha tampou o pedaço de pau em mim e me acertou nas costas, mas estava com a mochila e ela amorteceu o impacto.
Agora, enquanto eu ouvia ela gritando ensandecida, enquanto sacudia o portão com o cadeado enferrujado, eu encarnava o Joaquim Cruz. Poucas vezes na vida corri tão esbaforidamente.
Cheguei no portão da casa da minha avó quase vomitando, num misto de medo, susto, euforia, cagaço…
Peguei a árvore e plantei no jardim.
Levei meses para ter coragem de passar novamente na porta da casa da velha maluca. Quando eu finalmente fiz isso, o mato estava maior ainda. As plantas, irmãs do meu bonsai, estavam já todas mortas.
Então, tomei coragem e fui até o jornaleiro da esquina. Perguntei a ele sobre a velha maluca daquela casa.
-Que velha?
-A velha que mora naquela casa branca lá, do portãozinho. Eu disse, apontando.
-A casa do matagal? Ah, não mora ninguém lá não, rapaz. A casa tá abandonada. Tinha sim uma senhora que morava lá, mas ela já morreu faz uns dois anos!- Ele disse.
Nisso, voltei a sentir aquele estranho arrepio que havia sentido quando invadi o local. Agradeci, meio desconcertado e fui embora…
Nunca consegui entender aquilo. Seria aquela horrível velha que me perseguiu pelo jardim um fantasma? Ou o jornaleiro estava apenas querendo me sacanear?
Nunca descobri realmente quem era aquela velha, mas depois que ele me disse aquilo, eu nunca mais tive coragem de passar na frente daquela casa. O bonsai roubado morreu poucas semanas depois, transformando todo meu desejo de ter minha árvore em miniatura em completa frustração.
Quando a coisa começou a popularizar, eu ainda continuei tentando. Comprei diversos desses “bonsais de mercado”, que morriam seguidamente.
Hoje encontrei uma parada bastante interessante. Veja só que bacana:
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Desde o fim da década de 70, o artista  Takanori Aiba trabalhou como ilustrador de jogos de labirinto para uma revista de moda do Japão, chamada POPYE. NA década seguinte, ele trabalhou como arquiteto e finalmente, em 2003 ele resolveu juntar todo seu conhecimento e habilidade de criador de labirintos com a de arquiteto na constrição de pequenos mundinhos. São como pequenas maquetes fantásticas,  montados num estilo bem japonês, e com um visual que remete ao bonsai, mesmo quando não existem árvores na cena. Ele usa udo quanto é material para fazer essas esculturas. De plantas reais a resina, plastico, gesso, massa de modelar, metal, madeira… O cara é fera.

Os que eu mais gostos são os que tem casinhas nas árvores. Curiosamente, os trabalhos do cara são bem pequenos, com detalhes quase microscópicos. Babe aí:
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584707 Aiba Hawaiian Pineapple Resort view5 Casinha na árvore
584708 Aiba Ice Cream Packages Tower view3 Casinha na árvore
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