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5 de jan. de 2012

Brasileiro acompanha 4 gerações de família cubana em documentário

Após 7 anos visitando Cuba, o cineasta carioca Renato Martins concluiu seu filme. Uma co-produção com a Alemanha e Portugal.




Miriam Torres, comendo o pão que o Fidel amassou, mas sacaneando o Obama.

Renato Martins foi participar de um festival de cinema em Cuba em 2003, para mostrar o seu curta "Atrocidades maravilhosas", e na oportunidade resolveu levar na bagagem uma câmera filmadora, para poder registrar sua primeira visita à ilha.

   

 Assim nasceu o documentário Carta para o futuro, que estreiou em Berlim, no dia 29/11, e que será exibido em outras cinco cidades alemãs (Dortmund, Hamburgo, Colônia, Münster e Nurembergue) a partir de janeiro de 2012.

 
Viajei com dois amigos e decidimos levar uma câmera para fazer um filme, mas não tínhamos a menor ideia do que iríamos encontrar", conta Renato em entrevista à Deutsche Welle. Cuba era um país que sempre despertou muito interesse, muita curiosidade. Tem uma história muito particular na América Latina, passou por uma revolução, e tínhamos uma curiosidade enorme.

Ele acabou retornando à Cuba outras cinco vezes durante sete anos, com uma equipe pequena, sem autorização oficial do governo cubano (para justificar sua entrada no país, ele costumava dizer no aeroporto que era estudante de cinema), documentando a rotina da família Torres, a mesma que lhe hospedou em sua primeira visita e em todas as outras.

- Eu quero confessar que sou partidária da "ALCA".
- ALCA? 
- AL CArajo! Que se lixe o bloqueio. (Risos)

Sendo o seu primeiro longa metragem, o cineasta considera Uma carta para o futuro uma radiografia de quatro gerações de uma família que, por acaso, vive em Havana, mas que poderia estar em qualquer outro lugar do mundo. Ele afirma que procurou fugir da temática politicamente engajada.

Eram conflitos o tempo todo. Lá, o povo fica entre as loas à revolução e a necessidade de se fazer algum trabalho por fora para complementar a renda. O importante é que queríamos fugir da questão política, apesar de sabermos que é difícil falar de Havana sem passar pela política. Buscamos ouvir o que a família cubana pensa de tudo aquilo.

O filme mostra o cotidiano dos Torres, intercalado com cenas antigas de filmes de família e entrevistas com membros de outras duas famílias de Havana. O velho revolucionário Pipo, que viveu a revolução, discursa contra o embargo norte-americano, sua neta, Yulme, conta que não sairia do país por nada. Enquanto os Torres ressaltam seu patriotismo, falam das esperanças, conquistas e dificuldades que a revolução cubana trouxe, as outras famílias contrabalançam esse otimismo reclamando da falta de perspectivas para os jovens na ilha, desabafando suas decepções com o regime de Fidel Castro.

O que me sensibilizou para começar o projeto foi a história da família Torres. Eu a fui acompanhando ao longo de sete anos, sem me preocupar com socialismo, capitalismo ou quaisquer outros 'ismos'. Eu os coloquei como ponto central, porque eles tiveram mais contato comigo, por eu ter estado na casa deles, ficado amigo deles. Mas não os considero modelos em relação ao país. Por isso, também procurei ouvir outras famílias, para poder ter outras opiniões.

Juntos eles são testemunhas de mais de meio século da revolução cubana. Miriam Torres, a matriarca, professora aposentada com pouco mais de 60 anos vive com o pai, o nonagenário Pipo, com a filha, Yulme, e com seus netos Diego e Cristina. Em uma passagem, Miriam fala da saudade do filho mais novo, Julio, que vive em Miami com mulher e filhos e não pensa em retornar dos EUA. Em outra passagem, ela estica uma mangueira para a cisterna do vizinho, porque a bomba d´água de casa pifou. Em vez de reclamar da frequente falta de água, ela ressalta o espírito de solidariedade do povo cubano. Em outra sequência, Miriam caminha pelas ruas em direção à padaria que há 40 anos vende apenas um tipo de pão.

Em 2004, quando começamos a rodar o documentário, as pessoas tinham um discurso de esperança, mas em 2010 eu já senti essa esperança em xeque. Passam os anos, e eles enfrentam problemas recorrentes em suas vidas. Mas eu adoro Cuba. O fascínio da revolução é muito grande. Eles pagam um preço alto por suas utopias, sobretudo com o bloqueio econômico americano. É uma maldade que esse bloqueio continue de pé.
Fonte: DW, O Globo  Via BBA